'MINHA MÃE
CHEGOU A DIZER QUE PREFERIA ME VER MORTA' |
por Lilian Pessoa
ex-Testemunha de JeováMinha bisavó foi a primeira a se converter às Testemunhas de Jeová. Desde então, toda a minha família faz parte do grupo — e cresci com os costumes de lá.
Na infância, não podia comemorar meus aniversários. Nunca ganhei um bolo ou presente de Natal e nem dancei uma quadrilha. Também não podia conviver com as outras crianças, somente com as que eram da mesma religião. Dentro de casa, nunca recebi afeto, nem me senti realmente amada.
Na adolescência, comecei a pesquisar na internet sobre muitos assuntos e a questionar algumas das regras da religião.
Tive uma colega que morreu porque foi proibida de receber transfusão sanguínea. Não achava isso correto.
Minha família e eu nos mudamos para o Japão, mas continuamos frequentando reuniões da religião, organizadas por brasileiros que viviam no país.
Aos 18 anos, conheci um rapaz e pratiquei o pecado do sexo fora do casamento. O sentimento de culpa foi grande e acabei contando para minha mãe. Esperava acolhimento, mas só recebi exposição. Ela levou o caso para que fosse julgado pelos membros do grupo. Com isso, fui expulsa da organização.
Na cabeça da minha mãe, eu pediria perdão de joelhos e seria readmitida. Mas não foi isso que fiz. Então, ela, meu padrasto e minha irmã pararam de me dirigir a palavra.
Em menos de uma semana, fizeram minhas malas. Minha mãe chegou a dizer que preferia que eu estivesse morta: na visão dela, somente assim poderia um dia ir para o paraíso.
Como ainda estávamos no Japão, fui expulsa de casa em um país que não era o meu. Só morávamos lá há cinco meses, por isso eu mal sabia falar algumas palavras no idioma local.
Fui acolhida por uma colega da fábrica na qual trabalhava. Depois, eu e o rapaz que havia conhecido começamos a namorar e fui morar com ele. Acabamos nos casando no papel quando meu visto venceu. Mas nossa relação não durou. Juntei o máximo de dinheiro que pude e voltei para o Brasil sem uma rede de apoio e sem casa para morar. Passei por muita necessidade. Para ser sincera, não sei dizer como ainda estou viva.
Cheguei a tentar contato com a minha família quando voltei, mas desisti. A rejeição foi devastadora. Tive problemas psicológicos, depressão e ansiedade. Mas consegui um trabalho, fiz um curso na área de RH e hoje sou funcionária de uma boa empresa, vivo no meu próprio apartamento.
Tive alguns relacionamentos, mas nunca tive filhos. Tenho medo de um dia cometer com uma criança os mesmos erros que cometeram comigo. Já senti tristeza, depois muita raiva, mas hoje penso na história toda como na de um filme de superação.
Lilian Pessoa, 37, é recrutadora. Seu depoimento foi publicado inicialmente no site Universa, com o título Disse que preferia me ver morta.