Thomas L. Friedman
Em Jodhpur (Índia)
Existe um conceito na área de telecomunicações chamado "a última milha", em referência àquela parte de qualquer sistema telefônico que é a mais difícil de conectar à rede -a parte que vai dos cabos principais até às residências da população. Prem Kalra, diretor do novo Instituto Indiano de Tecnologia, no Estado do Rajastão, um dos "MITs" (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, uma das melhores instituições de ensino superior da área de tecnologia em todo o mundo) da Índia, fez com que a sua instituição se dedicasse à superação de um desafio diferente: conectar "a última pessoa".
"Como é que nós alcançaremos a última pessoa?", me perguntou Kalra durante uma visita que fiz ao campus dessa universidade em Jodhpur, situada na região do Deserto Thar, no oeste da Índia. Segundo ele, "a última pessoa" é o indivíduo mais pobre da Índia. E a pergunta que consome Kalra é: "A pessoa mais pobre da Índia poderia conquistar um pouco mais de poder na sociedade, ao receber os instrumentos básicos para adquirir qualificações suficientes para superar a pobreza abjeta?".
Em um país no qual 75% da população vive com uma renda diária de menos de US$ 2, essa é uma grande questão. Foi por isso que, um ano atrás, o Ministério de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Índia apresentou um desafio bastante específico que Kalra e o seu instituto de tecnologia decidiram aceitar, quando ninguém mais quis: será que alguém seria capaz de projetar e fabricar um tablet no estilo do iPad, mas bastante simplificado, com capacidade de conexão wireless à Internet, de forma que a mais pobre família indiana, poupando cerca de US$ 2,50 por mês durante um ano, fosse capaz de comprar o aparelho, caso o governo subsidiasse o restante dos custos?
Ou, mais especificamente, poderia a instituição criar um tablet simples que pudesse ser utilizado para educação à distância, aulas de inglês e de matemática, ou simplesmente para o acompanhamento dos preços de produtos agrícolas, por menos de US$ 50, incluindo o lucro do fabricante?
A resposta foi sim. No mês passado, a equipe de Kalra – liderada por dois professores de engenharia elétrica do Instituto Indiano de Tecnologia, um dos quais oriundo de uma vila que ainda não possui energia elétrica – apresentou o tablet Aakash. A palavra indiana "Aakash" quer dizer “céu”. Ele utiliza o sistema operacional Android 2.2, com uma tela de toque de 17,8 centímetros (sete polegadas), bateria cuja carga dura três horas e a capacidade de fazer download de vídeos do YouTube, documentos em PDF e softwares educacionais como o Virtual Lab. O governo subsidiará as conexões sem fio para os estudantes.
"Se os indianos contassem com a opção de comprar os tablets feitos no Ocidente, os preços seriam tão elevados que tais produtos não se disseminariam aqui", diz Kalra. "Portanto, nós tivemos que descobrir uma forma de reduzir significativamente o preço". A instituição de Kalra fez isso tirando proveito do mundo atual hiper conectado. Adquirindo peças principalmente na China e na Coreia do Sul, utilizando softwares e instrumentos colaborativos de fontes abertas e empregando as capacidades de design, fabricação e montagem de duas companhias ocidentais – a DataWind e a Conexant Systems – e da Quad, da Índia.
O Aakash se constitui em um raio de esperança de que a Índia seja capaz de utilizar a tecnologia para proporcionar aos seus mais de 220 milhões de estudantes as ferramentas necessárias para que eles escapem da pobreza e da educação deficiente, mas ele representa também um desafio para o Ocidente.
Em termos de esperança, eu fiquei impressionado com uma história que a mulher de Kalra, Urmila, contou a respeito de uma conversa que ela teve com a sua empregada doméstica depois que o Aakash foi apresentado em 5 de outubro último. Urmila se recorda de que a empregada, que tem dois filhos pequenos, lhe disse que o porteiro da noite lhe havia contado que "o senhor Kalra havia criado um computador muito barato, e na verdade tão barato que até ela seria capaz de comprá-lo. O porteiro forneceu a ela uma fotografia recortada do jornal, e a empregada me perguntou se a história era verdadeira".
Urmila disse a ela que a história era verídica e que a máquina fora feita exatamente para pessoas sem condições de adquirir um computador mais poderoso. "Ela me perguntou quando custaria o tablet, e eu respondi: 'Cerca de 1.500 rupias (US$ 30). Ela indagou: '15 mil ou 1.500?'. Eu disse que o preço era mesmo 1.500. Ela estava certa de que, se o governo fizesse de fato alguma coisa tão boa para os pobres, haveria necessariamente uma desvantagem embutida no projeto".
"'O que é possível fazer com o aparelho?', me perguntou ela. Eu respondi, 'Se os seus filhas forem à escola, eles poderão usá-lo para fazer download de vídeos e de aulas', da mesma forma que ela havia visto o meu filho fazer download de aulas de física todas as semanas do OpenCourseWare, do MIT. Eu disse a ela, 'Você viu o nosso filho sentado em frente ao computador ouvindo um professor. Aquele professor está de fato nos Estados Unidos'. Os olhos delas se esbugalharam. Então ela me perguntou se os filhos dela aprenderiam a falar inglês com o aparelho. Eu respondi, 'Sim, sem dúvida eles aprenderão a falar inglês', que aqui significa o passaporte para a mobilidade social. Eu acrescentei, 'Esse computador será tão barato que você poderá comprar um para o seu filho e outro para a sua filha!”.
Essa conversa revela uma mudança histórica.
E não apenas na Índia. Nós estamos no início de uma mudança não linear em inovação graças à conexão do mundo –pela mídia social, aparelhos de telefonia celular, tecnologia wireless e computação em nuvem– que está colocando aparelhos inovadores baratos nas mãos de tanta gente, possibilitando que esses indivíduos colaborem com invenções de diversas maneiras diferentes. A Grande Inflexão será uma oportunidade e um desafio para todo trabalhador e companhia porque nós veremos o preço básico de uma quantidade cada vez maior de produtos cair de várias maneiras.
E isso explica por que Kalra diz aos recrutadores de grandes companhias que mantenham distância do seu campus. Ele deseja que os seus estudantes indianos pensem em inventar os seus primeiros empregos, e não em inscrever-se para tais funções. "Eu quero que eles criem companhias e tornem-se eles próprios diretores executivos. Essa é a única maneira de alcançarmos a China", diz ele. A Índia não pode ficar esperando até que o mundo resolva os seus problemas segundo os preços indianos. O país precisa inventar as suas soluções. E ele agora conta com as ferramentas para isso. Essa história está prestes a ficar interessante.
Tradução: UOL